segunda-feira, 4 de outubro de 2010

- Eu gosto do barulho dos aviões.
- O que disse?
- Os aviões, fazem um barulho legal, não acha?
Achei deveras estranho, há tempos alguém não iniciava uma conversa comigo assim, de repente, ainda mais com uma frase dessas "gosto-do-barulho-dos-aviões", não fez muito sentido pra mim. Fiquei confuso quanto ao que responder, então fiz o que normalmente fazia quando algo parece não fazer sentido pra mim: sorrí desfarçadamente, tentando me esquivar da continuidade da conversa. Ela insistiu:
- Eu tenho isso desde criança, sabe? Sempre que ouço um avião, é como se eu estivesse na casa dos meus pais, o ouvindo passar pela janela do quarto. É confortante.
Pensei que ela nunca deveria ter andado de avião. Mal sabe que o tal barulho, ouvido de dentro, não tem nada de confortante e sim de ensurdecedor.
- Você tem algo que te faça lembrar a casa dos seus pais?
Me esforçei para lembrar de algo e finalizar logo aquela conversa que já ia me deixando inquieto. Não conseguí, porém.
- Não, não gostava muito de lá.
- Sei bem como é, eu também não gostava. Mas, hoje, eu quase choro sempre que ouço o barulho dos aviões. Engraçado, né? A gente tem saudade do que acha que foi um dia mas não quer voltar.
- É... Na verdade, eu queria voltar. Gosto menos ainda de como é agora.
Me surpreendí com essa minha desconhecida capacidade de confessar desejos íntimos a uma estranha e quase me arrependí da resposta.
- Voltar não adiantaria, todo mundo sabe que não. As pessoas sempre acham que antes era melhor, mas não era.
- Você acha que no futuro vai ser melhor?
- Acho que tudo depende de fazer com que as coisas aconteçam.
- Falar é muito fácil. Você faz?
- Viajo amanhã às sete pra Holanda.
Só então percebí que ela carregava uma pequena bagagem. Depois disso levantou-se num movimento meio-brusco-meio-suave e foi embora carregando uma esperança que eu invejava. Aparecí no outro dia às sete no aeroporto e passei a odiar o barulho dos aviões.

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