sábado, 16 de outubro de 2010

Todo dia eu penso em ir embora. Não há um só dia que eu não pense na possibilidade de deixar tudo isso aqui e viver outra coisa.

I feel it all

Já faz algum tempo que eu tenho, dentro de mim, algo que eu nem imaginava que existisse. Sabe aquelas dores que, de tão fortes, você nem tem coragem pra gritar? Pois é, é quase como algo assim, mas não é dor, não chega nem perto disso. É o contrário, é lindo. E eu sinto, eu sinto, eu sinto, eu sinto tanto que não dá pra dizer, não dá pra escrever, não dá. Só dá pra gritar por dentro, pra ficar em silêncio, só sentindo e sentindo cada vez mais.
Sabe quando a gente não sabe como conseguiu viver tanto tempo sem uma coisa? Pois é, eu não sei. Não imagino mais o que é não sentir (o que, diga-se de passagem, era minha especialidade há algum tempo). E eu quero muito que continue exatamente assim, por favor, é a única coisa que peço, sentir.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Eu?

Encontrei comigo mesma, certa vez, no supermercado e não me reconhecí de imediato. Tinha um rosto estranho e nem um pouco familiar. Quando percebí que era eu, tentei me cumprimentar, puxar papo, mas não tive resposta. Eu parecia triste mas não sei, ao certo, se estava, não conseguia ver direito porque minha expressão era profundamente vazia. Eu levava, dentro de um carrinho, tomates, farinha de trigo, leite, alguns limões e um pacote de pão integral. Mas eu odeio pão integral - pensei. Lembrei, porém, que o marido só come desse por causa da dieta. Eu caminhava lentamente pelo supermercado enquanto ignorava minhas tentativas de aproximação. Devia estar procurando a sessão dos bombons, afinal, havia tempo que não comprava bombons e devia estar com vontade. Parei na sessão de produtos de limpeza e peguei uma caixa de sabão em pó e fui andando em direção ao caixa. Mas eu ainda desejava loucamente os bombons. Tentei gritar meu nome, mas eu fugí de mim.
- Alô
- Ei
- Cara, são 2h15 da manhã, aconteceu alguma coisa?
- Sim
- O que houve?
- Eu estou um pouco bêbado e preciso de você.
- Porra, que merda, você me deu um susto. Tchau, tenha uma boa noite.
- Espera. Eu só quero que você saiba que tem um frasco de comprimidos na mesinha de centro a poucos centimetros de mim e, se você desligar esse telefone, eu juro que tomo uns vinte agora mesmo. Eu te conheço e sei que não conseguiria viver com essa culpa.
- Eu tô cansada dos seus dramas, fala logo o que você quer.
- A gente nunca sabe o que quer, só o que não quer. Eu não quero isso aqui. Por favor, volta.
- Nós já tivemos essa conversa, eu não vou voltar.
- Não dá pra viver sem você aqui, todo dia eu morro um pouco mais. Por favor.
- Você é fraco. Isso não é amor, é dependência.
- Onde você aprendeu a ser tão perversa? Eu confesso que não conhecia esse teu lado.
- Você nunca me conheceu de verdade. Agora, por favor, eu preciso dormir, trabalho amanhã cedo.
- Puta que pariu, eu tô com tanto ódio que queria bater em você agora. Eu te amo demais e isso me faz um mal danado.
- Eu sinto muito, de verdade, mas agora eu vou desligar.
- Eu falei sério sobre os comprimidos.
- Faça o que quiser, boa noite.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

"Que tudo se foda! - disse ela. E se fodeu toda"

Foda-se o mundo e essa hipocrísia crônica inpregnada em todo e qualquer ser humano. Foda-se esse sistema inútil que sai padronizando tudo o que vê pela frente. Eu quero que se explodam os bancos, os shoppings centers e supermercados. Que se dane a política, a economia e a crise energética mundial. A fome, o efeito estufa, a inflação, que tudo vá à merda. Quero é tocar fogo nesse apartamento.

Eu só preciso de amor.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

- Eu gosto do barulho dos aviões.
- O que disse?
- Os aviões, fazem um barulho legal, não acha?
Achei deveras estranho, há tempos alguém não iniciava uma conversa comigo assim, de repente, ainda mais com uma frase dessas "gosto-do-barulho-dos-aviões", não fez muito sentido pra mim. Fiquei confuso quanto ao que responder, então fiz o que normalmente fazia quando algo parece não fazer sentido pra mim: sorrí desfarçadamente, tentando me esquivar da continuidade da conversa. Ela insistiu:
- Eu tenho isso desde criança, sabe? Sempre que ouço um avião, é como se eu estivesse na casa dos meus pais, o ouvindo passar pela janela do quarto. É confortante.
Pensei que ela nunca deveria ter andado de avião. Mal sabe que o tal barulho, ouvido de dentro, não tem nada de confortante e sim de ensurdecedor.
- Você tem algo que te faça lembrar a casa dos seus pais?
Me esforçei para lembrar de algo e finalizar logo aquela conversa que já ia me deixando inquieto. Não conseguí, porém.
- Não, não gostava muito de lá.
- Sei bem como é, eu também não gostava. Mas, hoje, eu quase choro sempre que ouço o barulho dos aviões. Engraçado, né? A gente tem saudade do que acha que foi um dia mas não quer voltar.
- É... Na verdade, eu queria voltar. Gosto menos ainda de como é agora.
Me surpreendí com essa minha desconhecida capacidade de confessar desejos íntimos a uma estranha e quase me arrependí da resposta.
- Voltar não adiantaria, todo mundo sabe que não. As pessoas sempre acham que antes era melhor, mas não era.
- Você acha que no futuro vai ser melhor?
- Acho que tudo depende de fazer com que as coisas aconteçam.
- Falar é muito fácil. Você faz?
- Viajo amanhã às sete pra Holanda.
Só então percebí que ela carregava uma pequena bagagem. Depois disso levantou-se num movimento meio-brusco-meio-suave e foi embora carregando uma esperança que eu invejava. Aparecí no outro dia às sete no aeroporto e passei a odiar o barulho dos aviões.

domingo, 3 de outubro de 2010

Não sei fazer títulos

Fico pensando até que ponto vai a influência de uma pessoa sobre outra. É fato que todos precisamos de um outro para dar brilho a isso que chamamos de vida pessoal (e, por favor, não vem dar uma de emocionalmente auto-suficiente porque isso não existe). Mas, se estamos condenados a sempre depender de um outro-que-não-nós, qual a linha tênue que separa as atitudes tomadas individualmente, afim de agradar a nós mesmos, e as que estão simplesmente condicionadas a satisfazer o outro? É claro que cada um tem seu nível específico de condicionamento mas, de um modo geral, acho uma merda exigir mudanças do outro. E, na verdade, eu odeio achar isso porque eu realmente queria que um outro mudasse por mim. Mas o problema é que ninguém, ninguém mesmo, tem o direito de interferir nas ações alheias, mesmo que a vontade seja de gritar o mais alto que puder: "PORRA, ACORDA, CARA, VOCÊ TÁ SE DESTRUINDO!". Não, ninguém tem esse direito. As pessoas nascem sozinhas, se destroem sozinhas e precisam, também, mudar sozinhas. Porque, apesar dessa nossa eterna dependência do outro, na real mesmo, tá todo mundo sozinho pra caralho nisso que a gente chama de sociedade.
I'll just keep waiting.
- Eu vou embora.
Disse ela, como quem dizia um bom dia ou pode me passar o azeite?,
- O quê?
eu disse, e logo me arrependí, tive vergonha da minha hipocrísia. Eu sabia exatamente do que se tratava.
- Eu não sou mais feliz aqui.
E destilou aquela sua irritante liberdade, aquela falta de apego sobre qualquer coisa, essa facilidade que tinha em abandonar, abandonar-me. Não disse nada, eu era, naquele momento, fraco demais para dizer qualquer coisa e, no fundo, eu sabia que nenhuma palavra adiantaria.
- Nós dois sabemos que isso não está mais dando certo, não é nem próximo do que era antes.
Eu sabia. Dói quando se ouve uma verdade em que nunca se quís acreditar. Arranjei forças, não se sabe onde, pra mover o braço até a mesinha de centro. Acendí um cigarro, talvez pra mostrar-me um pouco menos destruído do que estava, de fato.
- Você não vai dizer nada?
Fiquei inerte por uns 40 segundos, quase tentando não estar alí. Até que eu pude articular algumas palavras que eu não sabia bem quais eram, mas disse.
- Você não passa de uma vadia, eu quero muito que você morra.
- Eu quero muito que você seja feliz.
Ela disse com um ar de quem diz "Olha como eu sou superior a você, idiota"
- Foda-se, eu nunca vou ser feliz sem você, você sabe, pega essa tua hipocrisia enfia no cu e some daqui.
Chorei, talvez como nunca havia feito antes.
- Não me deixa, por favor, eu preciso muito de você, me perdoa, prometo que vai ficar tudo bem. Eu prometo, por favor, eu imploro.
Ela não disse mais nada. Pegou a bolsa em cima do sofá, saiu e bateu a porta sem olhar pra trás.

sábado, 2 de outubro de 2010

Não há rotina que não possa ser quebrada

Era uma vez Maria Isabel da Silva. Dois filhos e marido. Morava num sobrado em São Gonçalo. Dezoito de agosto, fez o café, despediu-se do marido que saia para trabalhar, levou as crianças à escola, na volta trocou algumas palavras com a vizinha, soube que a filha da Vera está grávida, tirou todas as roupas do cesto, lavou-as, preparou carne com batatas para o jantar, assistiu a novela enquanto pintava as unhas, abriu a gaveta, pegou o revólver do marido, deu-se um tiro no céu da boca. Morreu numa ordinária tarde de terça-feira.

Let it be

Pra sempre é agora, acredita.

Aquilo que não se precisa dizer

Eu poderia passar um ano inteiro falando pra você sobre tudo o que eu sinto. No entanto, melhor do que isso, é saber que eu, simplesmente, não preciso. Você entende, num segundo, o que eu demoraria a vida inteira pra explicar, e isso é tão mágico que chega a ser surreal, ás vezes. Em meio a esse mundo caótico, a esse desespero, essa decadência humana, em meio à fome, ao engarrafamento às seis da tarde, ao coração cheio de feridas e de medo, em meio a tantos anos, tantas esperas, eu tenho muita sorte.

Eu não preciso escrever muito pra fazer com que essas linhas sejam infinitas.

Sede

Eu preciso tanto que as-coisas-estejam-sempre-mudando, fico pensando se isso é uma tendência natural de todo ser humano ou se essa merda pode ser entendida, no meu caso em especial, como algum tipo de necessidade patológica. Creio mais na primeira opção, já que eu não posso me considerar exclusiva em porra nenhuma. O grande problema é que tudo muda sempre muito devagar, toda mudança violenta não passa de uma forma cretina de mostrar pra si mesmo, ou pros outros, o quanto não-entediante você pode parecer, tudo que vale a pena muda a passos sutís e quase imperceptíveis. Um dia, talvez, numa tarde de domingo, no meio de uma frase qualquer, você percebe que é, agora, algo nem próximo do que era antes. E quer saber? isso é uma merda! É um mecânismo cruel criado por Deus (ou sei lá o quê) pra torturar desfarçadamente o pobre ser racional. Sim, porque se há algo que não nasce conosco é a paciência, essa característica tão nobre e valiosa, a qual poucos têm o direito de desfrutar de seus privilégios. Somos todos sedentos de acontecimentos, todos nós precisamos de algo diferente o tempo todo, o que basta hoje provavelmente não será suficiente amanhã. Talvez, seja exatamente isso que nos faça continuar, que nos faça pensar em suicídio como algo covarde e imcompreensível. Nós amamos a vida porque é uma eterna oportunidade de que coisas aconteçam. Então continuamos, nessa busca doentia por algo que, de alguma forma, nos complete, sem saber que esse algo não existe porque sempre haverá outros algos-faltantes. E quer saber? Isso é bonito!

Arquivo

Eles viviam suas vidas como dois normais. Faziam tudo como deveriam. Ela trabalhava numa livraria e ocupava o tempo ouvindo músicas estranhas. Ele ocupava o tempo tocando músicas estranhas no violino, trabalhava num cinema precário. Creio que viviam quase que na mesma frequência. Enquanto ela caminhava sonhadora até a livraria, ele criava filmes imaginários os quais esquecia os enredos no dia seguinte. Sentiam sempre aquele breve incômodo de quando-falta-algo. Faltava um ao outro.

Voltei!

Pela milésima vez. Agora, com amor, com loucura, e tudo mais.